III. 2.2. LÍNGUAS EM EXTINÇÃO Uma forma devastadora de violência
é a que os governos praticam de forma passiva. Outra, de igual teor, é o não
reconhecimento efectivo das diferenças, traduzido na imposição de uma
monogamia cultural, isto é, do modelo cultural vigente[1]. Despir
as minorias da sua própria identidade é promover o seu etnocídio.
Desprotegidas, e à margem da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
adoptada pela ONU em 1948, quando 16 países vetaram um documento sobre o
genocídio cultural e linguístico, as minorias étnicas são agora o centro de um
novo e inquietante olhar. A UNESCO elaborou um Livro
Vermelho das Línguas Ameaçadas, reflexo da crescente consciencialização
que o problema está a despertar. Os linguistas acreditam que, das existentes
6800 línguas vivas, podem desaparecer, antes de 2100, entre 3400 e 6100, o
que supera a conhecida estatística de uma língua extinta a cada duas semanas.
Muitos sustentam que a melhor forma de referir esta realidade não é dizendo
que as línguas “desapareceram”, mas que “foram assassinadas”. Um olhar sobre o art.
239º do Código Penal Português parece pertinente neste contexto. “Quem(...) no todo ou em parte(...) praticar(...) sujeição do
grupo a condições de existência(...) susceptíveis de virem a provocar a sua
destruição, total ou parcial(...) é punido(...)”. É certo que a condição para
que o crime de genocídio se verifique depende da “(...)intenção
de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou
religioso(...)”[2]. A
dificuldade daqui resultante é óbvia. O dolo, isto é, o
conhecer e o querer, é como a culpa que morre sempre solteira. No
entanto, e para desassossego dos infractores, um crime pode também ser
praticado por omissão quando sobre o omitente recair o dever que o obrigue a
evitar o resultado. Crê-se que
quando os portugueses chegaram ao Brasil existiam mais de mil línguas[3]; hoje apenas cerca de 170 são faladas pelos povos indígenas.
De acordo com a UNESCO, uma língua precisa de ser falada pelo menos por 100
mil nativos para passar de uma geração a outra. O que evidencia o contraste temporal
entre o nascer e o morrer de uma língua. “Com o desaparecimento de uma
língua, não é somente uma criação humana que morre, mas também uma forma de
exprimir uma concepção do mundo, um modo de expressar uma relação com a
natureza, uma tradição oral, uma poesia, enfim, uma cultura, contribuindo,
assim, para o empobrecimento global da humanidade”.[4] As
preocupações formais não passaram ao lado do governo português que reconheceu
oficialmente a língua mirandesa (Lei n.º 7/99, de 29 de Janeiro), regulamentou
o seu ensino no sistema oficial (Despacho Normativo n.º 35/99, de 20 de
Julho, do Ministério da Educação) e promoveu, através do Ministério dos
Negócios Estrangeiros, os mecanismos que levaram à assinatura da Carta
Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias, aprovada em 1992 pelo
Conselho da Europa. No entanto, a integração escolar de minorias étnicas e de
luso-descendentes em situação de retorno ainda está
por fazer, contrariando as directivas do discurso oficial. |
|
[1] Até 1991, a Turquia, apesar
de abrigar milhões de habitantes curdos, estabelecia
que a língua mãe de todos os cidadãos turcos é o turco.
[2] Aqui pode
constatar-se a subtileza da linguagem típica, ela própria, o que se
pretende dizer no início do parágrafo chamando a atenção para a importância e a
força (porque não dizê-lo) da cultura e da educação
na organização da sociedade, no espírito que deve presidir à mesma. Em suma, na
importância que o diálogo tem no que se pretende seja a tolerância.
[3] De
acordo com o Instituto Sócio Ambiental do Brasil.