III. MULTICULTURALISMO III. 1. MINORIAS vs. MULTICULTURALISMO No início do século,
pluricultural bastava como referência à realidade que na década de oitenta,
por efeito dos fluxos migratórios, se viria a afirmar como multiculturalismo. O seu uso estendeu-se à literatura científica
e provou pretender diagnosticar os contornos da presença duma pluralidade ou
multiplicidade de culturas no mesmo território e num mesmo tempo. Na década
de noventa, a interacção de culturas, através de deslocamentos e de trocas
entre pessoas, afirma-se na noção de intercultural, como ideia suplementar. Um elemento
particularmente caro a uma existência multicultural dá pelo nome de
tolerância. E está muito para lá do aceitar, permitir ou condescender. A
tolerância pressupõe elevados índices de aculturação, de interior preocupação
introspectiva e extrospectiva. Busca soluções com o
olhar do outro, porque o que nós somos está no olhar que nos percorre. A
tolerância privilegia a negociação e o compromisso numa base de considerações
prudenciais de custo-benefício.
No entanto, como refere Kelsen, “a tolerância, os
direitos das minorias, a liberdade de expressão e a liberdade de pensamento,
tão característicos da democracia, não têm lugar num sistema político baseado
na crença em valores absolutos”.[1] Ainda que a palavra e o
conceito de multiculturalismo nos remetam para o de
minorias, não é de todo verdade que as mesmas sejam sinónimas. O multiculturalismo de que hoje se fala surge na esteira da
existência de minorias, visando promover precisamente estas últimas – ainda
que o multiculturalismo, à semelhança das minorias,
seja conceito político (e não só sociológico). Entender isso é tarefa de
todos. A institucionalização das minorias pode ser perversa, escondida sob o
manto do multiculturalismo. Por isso mesmo, é
imperativo promover a linha cultural (e educacional) que privilegia a força
da razão à razão da força. Cremos que a ausência de
razão, no sentido de inexistência de um esforço intelectual na busca de uma
solução previamente ponderada, desagua com facilidade no uso da força
desmesurada.[2]
Ocorre-nos um exemplo que, apesar de comezinho, não arreda pé deste contexto.
Na linguagem corrente, “assassino” e “homicida”,
apesar de sinónimos, não se usam indistintamente. Um assassino tem uma carga
pejorativa acrescida, porque este, ao contrário do homicida, não se limita a
matar; fá-lo com “requintes” ou vencendo contra-motivações
éticas, revestindo sempre uma especial censurabilidade
ou perversidade. A palavra, de origem árabe, “hashashin”
– bebedor de haxixe - não deixa de transparecer a ausência de ponderação
acrescida por manifesta alteração da capacidade mental. “Hashashin”
é também nome de uma fanática seita muçulmana que promoveu uma guerra de
terror sob o signo de uma crença. A
alternativa à violência será assumir e implementar uma educação destinada a
fazer da cultura um exercício de pensamento. Do espaço em que vivemos e da
escola que nos acolhe um permanente ágora de debate
e troca de experiências. |
Foto de Javier Tenente |