II.
2. DAS DEMOCRACIAS (pref. demo-, do lat. génio bom ou mau +
suf. -cracia, poder)[1] vs. Apesar dos avanços, a questão da cidadania, e em última
análise, da(s) democracia(s) está ainda longe de ser pacífica. As diferentes
formas de governo têm de ser avaliadas não só do ponto de vista da obtenção
de certos fins, como da vigência de certos valores. Aceite o respeito pelo
exercício da autonomia pessoal em condições de igualdade num Estado social de
direito (incluindo aqui, naturalmente, direitos, liberdades e garantias
individuais), eis-nos, pois, perante a democracia. O que fundamenta a
legitimidade política da democracia? Será que a expressão maioritária da
preferência dos cidadãos deve ser aceite e imposta às minorias, apenas e só
por força do respeito do resultado das decisões? A maioria, ao expressar a
sua preferência, reconduz o estado à função aristotélica de proporcionar o
mais alto bem, uma vida boa, mais orientada para os desejos que para os
interesses. Nesta perspectiva, a regra da maioria seria o melhor aliado
contra a ditadura boa ou má. Por outro lado, se
aceitarmos a existência de verdades políticas, não será chocante admitir que
a maioria teria menos probabilidade de se enganar sobre o que é politicamente
correcto[2]. Parece que estes
argumentos, que fazem carreira no senso comum do cidadão despreocupado, podem
reconduzir-se a resultados aberrantes se desligados da análise dos fins e
valores que lhes são intrínsecos. Deste modo, se o consenso maioritário não
pode ser o critério que permite avaliar a qualidade moral de uma escolha,
porque não procurá-lo na discordância das minorias? Coloquemo-nos perante um
consenso que responde a critérios básicos de moralidade política, como o
catálogo de direitos, liberdades e garantias, nos termos que universalmente
conhecemos, aprovado por unanimidade no seio do parlamento. A discordância,
aqui, parece destituída de todo e qualquer valor moral. Consideremos agora um
consenso que viola esses princípios, como a decisão unânime de limitar a
liberdade de circulação ou de estabelecimento aos ciganos, por exemplo. Quem
discorda, pode fazê-lo por razões moralmente inaceitáveis ou até repugnantes,
defendendo, antes, a sua imediata expulsão como forma de definitivamente
solucionar um dos muitos problemas sociais que acarretam, ou poderá discordar
por razões morais que fundamentam o necessário respeito pelo ser humano. Donde
se infere que o consenso maioritário não é, de per si, fundamento suficiente. A discordância[3] da
minoria tende a ser avaliada – e valorada - em função do seu estatuto. A
aferição moral do desacordo (ou do consenso) terá, então, de passar pela
análise dos fins e valores que lhe estão subjacentes. |
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