I. 3.1. TAL COMO ONTEM...

         PODER, TIRANIA E VIOLÊNCIA

 

Curiosa, pela aproximação ao nosso tempo, é a abordagem feita sobre a tirania. Os tiranos são na maioria demagogos, levados ao poder pela promessa de proteger o povo contra os notáveis. Para conservar o poder, o tirano deve evitar a ascensão de pessoa de mérito, por assassínio, se tal for necessário. E não só: deve proibir refeições comuns ou qualquer educação capaz de produzir sentimentos hostis. O tirano deve proibir assembleias ou discussões literárias. Deve evitar que os homens se conheçam bem. Deve empregar espiões. Deve semear discórdias e empobrecer os súbditos; ocupá-los em grandes obras, como fizeram os faraós do Egipto com as pirâmides (num outro momento histórico, esta ideia era traduzida na prática em panem et circenses). Deve dar poder a mulheres e escravos para fazê-los seus informadores. Deve fazer a guerra para que os súbditos possam estar ocupados e dependentes do chefe.

 

 

Não menos curiosos, contudo, são os conselhos e anotações que, há cerca de 200 anos, Napoleão Bonaparte nos deixou sobre política. As suas reflexões divergem das de Aristóteles num ponto à partida: enquanto este, como pensador, fala das coisas como um ideal a atingir, Napoleão, como prático, refere-as como elas são.

 

 

Confrontemos essa aproximação. Enquanto Aristóteles defende que, para conservar o poder, o tirano deve evitar a ascensão de pessoa de mérito, por assassínio, se tal for necessário, Napoleão constata que de cada cem favoritos reais, noventa e cinco foram decapitados. E refere ainda que nos parlamentos e gabinetes há uma verdadeira perseguição a todos os que se destacam pelo seu talento e que os partidos se debilitam pelo medo que têm das pessoas capacitadas. O homem, como instrumento ao serviço de interesses, é como um algarismo num número: só adquire o valor da posição que ocupa.

 

 

Para Aristóteles, os tiranos são, na maioria, demagogos, levados ao poder pela promessa de proteger o povo contra os notáveis; refere Napoleão que o bom líder é aquele que age como um mercador de sonhos. "Um povo só se deixa guiar quando se lhe aponta um futuro. Um chefe é um comerciante de esperanças", refere ainda Napoleão, apesar de ter implementado reformas jurídicas e institucionais de carácter democrático por toda a Europa.

 

 

Parece pertinente lançar um olhar sobre o que Maquiavel escreveu em 1513, na sua célebre obra “O Príncipe”. Aqui é explicitamente repudiada a moralidade na actuação dos governantes. Estes devem ter ora o ardil da raposa ora a ferocidade do leão. Um príncipe deve faltar à palavra quando é preciso, mas deve acima de tudo disfarçar bem esse carácter (Napoleão sustenta que há patifes suficientemente patifes para se portarem como pessoas honestas), porque os homens são tão ingénuos e prontos a obedecer a necessidades presentes (Napoleão diria que os homens estão muito mais dispostos a baterem-se pelos seus interesses do que pelos seus direitos) que quem engana, sempre encontrará quem esteja disposto a ser enganado. Além disso, deve ser hábil em fazer promessas e proferir afirmações com convicção. Mas, não necessitando de possuir todas estas qualidades (Napoleão chamar-lhes-ia vícios e virtudes circunstanciais ou convencionais), um príncipe precisa muito de parecer tê-las (tal como a mulher de César). Não resistimos à tentação de pensar que muita da realidade contemporânea parece saída desta caixa de Pandora.

 

 

Neste entrecruzar de ideias e convicções, tão distantes no tempo, não podemos deixar de constatar que Aristóteles emerge de uma antiguidade que concedia primazia ao processo finalístico sobre o causal, onde o mundo e o homem estavam associados a uma configuração cósmica da realidade, por trás da qual se imaginava um Deus criador, donde emanava um direito natural que não estava nas mãos do homem poder mudar. Por isso mesmo não estava ao seu alcance modificar a condição de escravo, senhor, mulher ou homem.

 

 



 

Ir para o Topo

Pág. Anterior

Início

Pág. Seguinte