PODER,
TIRANIA E VIOLÊNCIA Curiosa, pela aproximação
ao nosso tempo, é a abordagem feita sobre a tirania. Os tiranos são na
maioria demagogos, levados ao poder pela promessa de proteger o povo contra os
notáveis. Para conservar o poder, o tirano deve evitar a ascensão de pessoa
de mérito, por assassínio, se tal for necessário. E não só: deve proibir
refeições comuns ou qualquer educação capaz de produzir sentimentos hostis. O
tirano deve proibir assembleias ou discussões literárias. Deve evitar que os
homens se conheçam bem. Deve empregar espiões. Deve semear discórdias e
empobrecer os súbditos; ocupá-los em grandes obras, como fizeram os faraós do
Egipto com as pirâmides (num outro momento histórico, esta ideia era
traduzida na prática em panem et
circenses). Deve dar poder a mulheres e escravos para fazê-los
seus informadores. Deve fazer a guerra para que os súbditos possam estar
ocupados e dependentes do chefe. Não menos curiosos, contudo,
são os conselhos e anotações que, há cerca de 200 anos, Napoleão
Bonaparte nos deixou sobre política. As suas
reflexões divergem das de Aristóteles num ponto à partida: enquanto este,
como pensador, fala das coisas como um ideal a atingir, Napoleão,
como prático, refere-as como elas são. Confrontemos essa
aproximação. Enquanto Aristóteles defende que, para conservar o poder, o
tirano deve evitar a ascensão de pessoa de mérito, por assassínio, se tal for
necessário, Napoleão constata que de cada cem
favoritos reais, noventa e cinco foram decapitados. E refere ainda que nos
parlamentos e gabinetes há uma verdadeira perseguição a todos os que se
destacam pelo seu talento e que os partidos se debilitam pelo medo que têm
das pessoas capacitadas. O homem, como instrumento ao serviço de interesses,
é como um algarismo num número: só adquire o valor da posição que ocupa. Para Aristóteles, os
tiranos são, na maioria, demagogos, levados ao poder pela promessa de
proteger o povo contra os notáveis; refere Napoleão
que o bom líder é aquele que age como um mercador de sonhos. "Um povo só
se deixa guiar quando se lhe aponta um futuro. Um chefe é um comerciante de
esperanças", refere ainda Napoleão, apesar de
ter implementado reformas jurídicas e institucionais de carácter democrático
por toda a Europa. Parece pertinente lançar
um olhar sobre o que Maquiavel escreveu em 1513, na
sua célebre obra “O Príncipe”. Aqui é explicitamente repudiada a moralidade
na actuação dos governantes. Estes devem ter ora o ardil da raposa ora a
ferocidade do leão. Um príncipe deve faltar à palavra quando é preciso, mas
deve acima de tudo disfarçar bem esse carácter (Napoleão
sustenta que há patifes suficientemente patifes para se portarem como pessoas
honestas), porque os homens são tão ingénuos e prontos a obedecer a
necessidades presentes (Napoleão diria que os
homens estão muito mais dispostos a baterem-se pelos seus interesses do que
pelos seus direitos) que quem engana, sempre encontrará quem esteja disposto
a ser enganado. Além disso, deve ser hábil em fazer promessas e proferir
afirmações com convicção. Mas, não necessitando de possuir todas estas
qualidades (Napoleão chamar-lhes-ia vícios e
virtudes circunstanciais ou convencionais), um príncipe precisa muito de
parecer tê-las (tal como a mulher de César). Não resistimos à tentação de
pensar que muita da realidade contemporânea parece saída desta caixa de
Pandora. Neste
entrecruzar de ideias e convicções, tão distantes
no tempo, não podemos deixar de constatar que Aristóteles emerge de uma
antiguidade que concedia primazia ao processo finalístico
sobre o causal, onde o mundo e o homem estavam associados a uma configuração
cósmica da realidade, por trás da qual se imaginava um Deus criador, donde
emanava um direito natural que não estava nas mãos do homem poder mudar. Por
isso mesmo não estava ao seu alcance modificar a condição de escravo, senhor,
mulher ou homem. |
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